A falta de
recursos. A falta do essencial. Será mesmo falta ou é só um desvio adormecido
dos interesses que nuclearmente são vazios e estúpidos? É claro que, na falta
de propósitos e sentidos, o que o homem faz é querer o máximo dos confortos.
Talvez para estar numa zona em que todos os outros problemas desapareçam, mesmo
sendo impossível tal acontecimento. Estão apenas escondidos, falseados,
mascarados para que a vida se torne ligeiramente menos inapropriada. Pode ser
que mesmo aqueles que levam esse desejo ao limite, sendo o limite o mais
estúpido ou o mais louvável, sejam apenas vítimas da negação da própria
solidão. E não é, de todo, desprezível ou desdenhoso que a negação plena
aconteça. Simplesmente é a resposta mais fácil para a existência. É o escape
menos doloroso da caminhada com pés descalços. Quem, não só hoje, mas em toda a
chamada história, alguma vez trilhou o seu caminho com pés verdadeiramente
descalços e a cara lavada? E como julgar um produto de tantas variáveis que não
são possíveis de calcular? O potencial humano alguma vez foi levado à exaustão?
E se caso acontecesse, como afirmar que o potencial é positivo? Como
classificar as ações e situações causadas como boas ou más? Como separar o que
é de fato escolha consciente das ações inconscientes? O que faltam não são os
recursos, sejam eles naturais, básicos, intelectuais, filosóficos ou sociais, o
que falta é o discernimento relativo à identificação que cada um tem em relação
ao todo. O que falta é a gestão mais adequada desses mesmos recursos.
Os horrores
que a humanidade já viu. Os horrores que a humanidade anda a fazer. Qual a
diferença entre esses dois pontos dentro do contexto histórico? Nenhum. O
avanço tecnológico e o avanço científico não foram capazes de elevar a
humanidade a um estado menos suicida e caótico. A evolução só ocorreu nessas
vertentes. Vejo os mesmos equívocos repetidamente e não há uma luz que convença
que o contrário está perto de chegar à consciência. Vejo jogadores de um jogo
sem um fim definido, vejo explosões de criação de sentidos, vejo a quase
satisfação das disposições, vejo relações efêmeras, vejo encontros furtivos e
sem significado concreto, vejo seres que, ao terem as necessidades básicas
atendidas, não se contentam. “Queremos ser deuses”. Ao observar sociedades mais
simples e mais fechadas, o que acontece é que os fluxos de informação e
influências estão tão ensimesmados que a comunidade consegue ter algum
vislumbre de justiça. O que aconteceria se aí fossem postas novas fontes? A
resposta é que mesmo sendo admirável, esse vislumbre deixaria de existir e
desconstruiria qualquer romantismo. Se é ou não nossa pré-disposição para o
além, para o cada vez mais, como instinto de sobrevivência, não é certo. Mas a
nossa natureza não permite que tal palavra, justiça, alcance o máximo de
significação. Quem inventou o conceito poderia estar maravilhado com a ideia ou
idealizado um equilíbrio que infelizmente nunca foi concluído. Não é uma
afirmação de um possível pessimismo em relação à natureza do homem, é apenas o
que se tem ao contemplar a soma das nossas bagagens. No fim, pode até ser que se
venha a enxergar um otimismo (ou o que quer que a palavra represente) no que
abrange a totalidade das ações e pensamentos humanos. Pode até ser que se
encontre a neutralidade. Pode até ser que tudo enfim pareça normal e que todos nós
andemos pelas estradas com a ilusão de escolha e de uma busca infinita de satisfação
do que quer que seja com narizes de palhaços. Afinal a vida, para aqueles que
têm consciência da morte, é uma brincalhona.
Qual a posição a tomar diante
desse panorama inesgotável? A anestesia e apatia é o buraco para onde todos
estão constantemente a escorregar. É fácil porque o buraco é aconchegante, a
escuridão poupa-nos o trabalho de discernir ou contemplar e qualquer feixe de
luz parece incômodo demais aos olhos. A aceitação e condescendência estão no
pacote em graus variados. De vez em quando alguém se lembra de revoltar-se. A
coragem de segurar firme a corda e não deixar-se cair não é o oposto da aceitação,
não quer dizer revolução ou rebeldia. Significa muito mais estar-se pronto a uma
posição perante o panorama, a distinguir o essencial do excessivo prejudicial, estar
ciente da própria vulnerabilidade. É fazer algo próximo à sua própria verdade e
fazer com que outros se identifiquem nela. Também não é nada desprezível quem
apenas segure a corda, mas deixe que os outros caiam sem o mínimo de
solidariedade. Por vezes a força do braço só dá para um. E por vezes a linha
tênue entre a empatia e a doutrinação rompe fácil, há quem não ouse correr o
risco.