domingo, 3 de janeiro de 2016

solid(edificar)

O que reverbera para além da empatia, da identificação e do aperto?

O que solidifica, quando está tudo a derreter?

O que sobra do podre, do faminto, do mesquinho?

O que nos resta fazer além de caminhar?

O que meus olhos podem para além de fingir não ver?

Sou poeira que se vai com o vento e perde-se pelo caminho. Sou linha sôfrega que tenta ocupar espaços vazios. Sou fome e cansaço. Sou cera quente que esfria e marca camadas de perguntas sem respostas. Sou lume fraco na vela da verdade. Somo e esqueço, sumo numa fuga do ser que envolve o meu. Subo montanhas cujos cumes nada têm a me mostrar. Tremo um tremer de covarde, choro lágrimas de integridade. Força retida. Força devida. Força que explode e estrago nenhum faz. Só dentro de mim.

O que me resta para além de esperar? 

domingo, 13 de dezembro de 2015

(des)conforto

Conforto. Ou a ilusão de. Deito de bruços no escuro e sinto que o corpo também está em outros espaços da memória. A luz fraca da rua entra pela janela já molhada da chuva e encontro algum refúgio no calor da minha cama. Aqueço o corpo na esperança que também traga algum alento aos meus pensamentos melancólicos. A mente para no instante em que o medo e a incerteza tomam conta dos meus olhos e dos meus pés. Houve tempos em que parei em frente a outras janelas, quando a cidade dormia, por vezes quando a chuva caía e trazia novas texturas às luzes. A fumaça saía dos meus lábios num ritmo pesaroso, quase como metáfora à densidade dos meus receios. E nunca me trouxe respostas. Na verdade, nunca esperei que dali saísse alguma. O velho estranhamento me atormenta de vez em quando, principalmente quando eu abrando o ritmo e me faço as velhas perguntas e nunca consigo marcar passos firmes no chão ou sentir a minha própria presença. Onde é que estarei? Se alguém alguma vez me perguntar como vim parar aqui, penso que tudo o que eu conseguir formular poderá soar legítimo, mas tudo será selado com algum grau de falsidade. Os fatos, as memórias e os meus passos escapam-me das mãos e das vistas.
Deveria então glorificar este momento em que a solidão não só se faz presente, mas como se exibe e insinua derrubar todos os palácios que minhas ilusões tentaram solidificar. Não só sei que assim estou, mas sinto. Talvez sentir em profundidade não só esse sentimento, mas esse estado concreto e irrevogável da minha existência, seja a oportunidade perfeita de me desligar das causas nobres das quais eu não tenho nenhuma responsabilidade e muito menos simpatia. Por vezes a fraqueza, comum aos homens, ou a desesperança arranca de mim todo o chão e me lança à nostalgia e para perto dos que prepararam meu terreno. Vejo-me ali, com todas as necessidades atendidas e o acesso à preguiça de encarar o mundo. Ouço sons familiares e sinto o cheiro de casa. Algum vislumbre de casulo, de aconchego passa da memória à imaginação e da imaginação à sensação. Mas logo o ciclo se fecha e a angústia retorna. Naquele outro escuro, qualquer coisa de descontentamento vibraria logo em mim.
Meus propósitos se transformam, numa tal velocidade que me sinto impotente. Chegam até a deixar de existirem. Os fluxos caóticos que ora ruem, ora constroem-se, empalidecem o brio que eu via neles. Ando devagar, meu olhar é calmo, poucas palavras me saem e prefiro ouvir. Não que isso reflita diretamente o meu estado interior, na verdade é o oposto da sensatez que transpareço. Deixo falar os que possuem certezas. As tantas peles velhas que por aí deixei cair não me dão credibilidade para supor ou acreditar em qualquer que seja a teoria. Que eu ouça mais vezes o som de papel rasgado. Que eu queime mais vezes qualquer doutrina que a mim tentarem impor. Falácias existem aos milhões. Deixem-me contemplar com meus próprios olhos. E que eu carregue todo o peso de ser, dividido em mais bagagens. 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Corda Áspera

A falta de recursos. A falta do essencial. Será mesmo falta ou é só um desvio adormecido dos interesses que nuclearmente são vazios e estúpidos? É claro que, na falta de propósitos e sentidos, o que o homem faz é querer o máximo dos confortos. Talvez para estar numa zona em que todos os outros problemas desapareçam, mesmo sendo impossível tal acontecimento. Estão apenas escondidos, falseados, mascarados para que a vida se torne ligeiramente menos inapropriada. Pode ser que mesmo aqueles que levam esse desejo ao limite, sendo o limite o mais estúpido ou o mais louvável, sejam apenas vítimas da negação da própria solidão. E não é, de todo, desprezível ou desdenhoso que a negação plena aconteça. Simplesmente é a resposta mais fácil para a existência. É o escape menos doloroso da caminhada com pés descalços. Quem, não só hoje, mas em toda a chamada história, alguma vez trilhou o seu caminho com pés verdadeiramente descalços e a cara lavada? E como julgar um produto de tantas variáveis que não são possíveis de calcular? O potencial humano alguma vez foi levado à exaustão? E se caso acontecesse, como afirmar que o potencial é positivo? Como classificar as ações e situações causadas como boas ou más? Como separar o que é de fato escolha consciente das ações inconscientes? O que faltam não são os recursos, sejam eles naturais, básicos, intelectuais, filosóficos ou sociais, o que falta é o discernimento relativo à identificação que cada um tem em relação ao todo. O que falta é a gestão mais adequada desses mesmos recursos.
Os horrores que a humanidade já viu. Os horrores que a humanidade anda a fazer. Qual a diferença entre esses dois pontos dentro do contexto histórico? Nenhum. O avanço tecnológico e o avanço científico não foram capazes de elevar a humanidade a um estado menos suicida e caótico. A evolução só ocorreu nessas vertentes. Vejo os mesmos equívocos repetidamente e não há uma luz que convença que o contrário está perto de chegar à consciência. Vejo jogadores de um jogo sem um fim definido, vejo explosões de criação de sentidos, vejo a quase satisfação das disposições, vejo relações efêmeras, vejo encontros furtivos e sem significado concreto, vejo seres que, ao terem as necessidades básicas atendidas, não se contentam. “Queremos ser deuses”. Ao observar sociedades mais simples e mais fechadas, o que acontece é que os fluxos de informação e influências estão tão ensimesmados que a comunidade consegue ter algum vislumbre de justiça. O que aconteceria se aí fossem postas novas fontes? A resposta é que mesmo sendo admirável, esse vislumbre deixaria de existir e desconstruiria qualquer romantismo. Se é ou não nossa pré-disposição para o além, para o cada vez mais, como instinto de sobrevivência, não é certo. Mas a nossa natureza não permite que tal palavra, justiça, alcance o máximo de significação. Quem inventou o conceito poderia estar maravilhado com a ideia ou idealizado um equilíbrio que infelizmente nunca foi concluído. Não é uma afirmação de um possível pessimismo em relação à natureza do homem, é apenas o que se tem ao contemplar a soma das nossas bagagens. No fim, pode até ser que se venha a enxergar um otimismo (ou o que quer que a palavra represente) no que abrange a totalidade das ações e pensamentos humanos. Pode até ser que se encontre a neutralidade. Pode até ser que tudo enfim pareça normal e que todos nós andemos pelas estradas com a ilusão de escolha e de uma busca infinita de satisfação do que quer que seja com narizes de palhaços. Afinal a vida, para aqueles que têm consciência da morte, é uma brincalhona. 
Qual a posição a tomar diante desse panorama inesgotável? A anestesia e apatia é o buraco para onde todos estão constantemente a escorregar. É fácil porque o buraco é aconchegante, a escuridão poupa-nos o trabalho de discernir ou contemplar e qualquer feixe de luz parece incômodo demais aos olhos. A aceitação e condescendência estão no pacote em graus variados. De vez em quando alguém se lembra de revoltar-se. A coragem de segurar firme a corda e não deixar-se cair não é o oposto da aceitação, não quer dizer revolução ou rebeldia. Significa muito mais estar-se pronto a uma posição perante o panorama, a distinguir o essencial do excessivo prejudicial, estar ciente da própria vulnerabilidade. É fazer algo próximo à sua própria verdade e fazer com que outros se identifiquem nela. Também não é nada desprezível quem apenas segure a corda, mas deixe que os outros caiam sem o mínimo de solidariedade. Por vezes a força do braço só dá para um. E por vezes a linha tênue entre a empatia e a doutrinação rompe fácil, há quem não ouse correr o risco.